sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Formar para Ganhar

Do Centro de Treino Jorge Araújo CTJA surge este artigo de opinião da autoria de Jorge Henriques.

“Os resultados estão à vista: praticantes de elevada craveira, bem documentada nos dados estatísticos que apresentam, a título individual, ostentam fraco registo no que se refere ao sucesso das equipas em que foram as principais figuras!”

O desporto português e o basquetebol em particular têm sido palco de formas de treinar e preparar crianças e jovens em idade escolar que merecem reparos e correcções.
São normalmente jovens treinadores aqueles que se ocupam dos escalões mais baixos no basquetebol. Trabalham de forma quase anónima, longe da vista do grande público e não obtêm pelo seu desempenho qualquer distinção ou reconhecimento. O resultado, muitas vezes, assemelha-se ao que a seguir se descreve.


O TREINO DE BASQUETEBOL

À hora combinada começa o treino. O treinador, rapaz dos seus 18 anos de idade, chama os
miúdos para perto de si, e começa a contar, aos berros: um, dois, três, quatro (…)!
De repente, todos os meninos convergem na direcção do técnico. A correr, sem hesitações.
Antes que ele atingisse o número 8, de um limite de 10, já estavam todos reunidos à sua volta.
Pus-me a pensar: Admirável. Nem nos meus bons tempos fui capaz de concretizar esta disciplina da contagem. Não me recordo se alguma vez o quis fazer. O meu agrado terminounaquele momento. As crianças, de idades compreendidas entre os 8 e os 12 anos, fazem exercícios e começam a jogar. Os treinadores encostam-se ora a uma, ora a outra tabela, atendem o telemóvel, falam com outras pessoas na bancada e por fim, sentam-se.
Dentro de campo os miúdos jogam cinco contra cinco e guerreiam-se. Praticam uma modalidade parecida com o basquetebol mas menos colectiva. Dois ou três jogam ao “eu, a bola e o cesto”, os restantes, com ar infeliz mas crente correm, na esperança de que lhes seja passada uma bola. Sem sorte! Os sinais são contraditórios. Por um lado, nota-se que a generalidade das crianças já pratica Basquetebol há algum tempo. Por outro, não parecem ter
qualquer noção colectiva de jogo, nem regras. A maior contradição de todas é que os aparentemente mais evoluídos, com mais anos de Basquete, são os que se comportam pior. Lançam de longe, driblam tudo e todos, fazem jogadas que os treinadores aplaudem mas não são capazes de se sacrificar, não defendem, não passam a bola aos companheiros de equipa e
discutem.

Refilam com os árbitros, com os adversários, com os colegas, com a bola e com o
jogo.

Discutem sempre que o jogo não lhes corre de feição. O climax da desordem atinge-se com um dos craques a ser remetido à posição de espectador, na bancada. O jovem treinador levantou-se do seu poiso e deu a ordem. Autoritário, olhando em volta. Os meninos mais fracos, sempre interessados em jogar, aprovam a medida. Redobram o interesse e a participação no jogo. O treino corre melhor.

A CRÍTICA

Sabemos bem o que resulta de se fazer crescer crianças e jovens neste ambiente de trabalho. Uma criança ou jovem que desde cedo se habituou a desrespeitar colegas de equipa, árbitros e treinadores, dificilmente poderá atingir níveis de prática onde a exigência e o rigor estarão presentes a todo o momento! Todos conhecemos a tendência para a excessiva adulação dos jovens desportistas mais hábeis e o desprezo a que são remetidos os restantes. Constitui marca obrigatória do desporto infantil entre nós este comportamento por parte de treinadores mas também de pais e dirigentes. Da iniciação ao alto rendimento repetem-se os gestos técnicos e as situações de jogo. Mas também as atitudes e comportamentos.

O PRINCIPAL E O ACESSÓRIO

Defendemos um “modo de ser treinador” que privilegie no seu desempenho a criação de ambientes de treino para a fase de iniciação onde a participação de todos e a aprendizagem das técnicas básicas e fundamentos do jogo sejam a primeira prioridade. É certo e sabido que tal orientação não é compatível com atitudes e comportamentos tal como os observamos no dia a dia do desporto infantil e juvenil.
Um errado posicionamento de quem forma e educa pode conduzir aos resultados que todos
conhecemos. A pergunta coloca-se, com pertinência: Não será essa a razão de fundo para o
decréscimo de qualidade da modalidade entre nós?
Experiências recentes levam-nos a sustentar a seguinte opinião: o excesso de zelo que os jovens treinadores estão a colocar em certas facetas do seu trabalho não está a obter efeito correspondente na criação de ambientes de prática onde, a par da formação desportiva, com o ensino do jogo e dos seus fundamentos, se verifiquem significativos contributos para a melhoria de atitudes e comportamentos dos jovens praticantes.
De que nos vale ter todo este rigor onde a aparência da disciplina só parece aproveitar a quem dirige e orienta? Em que medida, deste modo de agir, crianças e jovens estão a recolher ensinamentos que se traduzam em melhorias da respectiva atitude enquanto praticantes e
cidadãos?

OS TREINADORES E O FUTURO DA MODALIDADE

Algumas das estrelas do nosso basquetebol sénior são apontadas como pouco dadas ás tarefas colectivas, muito centradas que estão na sua afirmação pessoal. Os resultados estão à vista: praticantes de elevada craveira, bem documentada nos dados estatísticos que apresentam, a título individual, ostentam fraco registo no que se refere ao sucesso das equipas em que foram as principais figuras! Noções de solidariedade, de sacrifício pessoal em favor do colectivo, contidas no chamado trabalho de equipa que a nós treinadores compete transmitir parecem estar em claro défice nestas individualidades. Cumpre-nos descobrir porquê e introduzir as necessárias correcções. Somos adeptos de efectivas mudanças na forma de conduzir o treino e a preparação de crianças e jovens que permitam introduzir aspectos educativos duradouros na respectiva formação enquanto praticantes desportivos. Porque praticar desporto é uma forma privilegiada de adquirir regras e valores. De adquirir educação. Os pontos de contacto entre o ambiente de treino que retratámos e esta forma de actuar das grandes figuras da modalidade são a prova de que nem só de basquetebol devem
saber os treinadores!

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