quarta-feira, 4 de julho de 2007

Treinador, Saber Estar, Saber Ser

Parte IV
Direito ao Desporto – Eles querem tudo mas não querem nada!!!

“A ninguém se torna possível negar que, na actualidade social portuguesa, se verifica um cada vez maior usufruto democrático e informal da educação física e do desporto, em detrimento da procura das chamadas modalidades tradicionais.
Idêntica constatação se torna necessária relativamente aos resultados internacionais e aos êxitos ultimamente obtidos por atletas, treinadores e equipas de diferentes modalidades.
Como compatibilizar isto, no entanto, com o facto de igualmente verificarmos que nem num caso nem noutro tais progressos foram oriundos de uma intencionalidade governativa no sentido de criar condições, fomentar vontades e fornecer os apoios necessários para que tal acontecesse?
Não será revoltante verificar que os mesmos governantes que nos procuram convencer que se demitem das responsabilidades de criação das condições para que o direito ao desporto seja uma realidade no nosso país «por pretenderem respeitar a sociedade civil», umas vezes reprimem prontamente lídimos representantes dessa mesma sociedade só porque manifestam na Ponte 25 de Abril a sua revolta perante decisões governamentais inaceitáveis e prejudiciais aos seus interesses e outras, perante graves e antidemocráticas recusas de cumprimento das leis vigentes regulamentadoras das práticas desportivas, pura e simplesmente nada façam?
...

É que segundo Eduardo Lourenço:

Os Portugueses não convivem entre si, espiam-se, controlam-se uns aos outros; não dialogam, disputam-se e a convivência é uma osmose do mesmo ao mesmo, sem enriquecimento mútuo, que nunca um português confessará que aprendeu alguma coisa de um outro, a menos que seja pai ou mãe...;

Ninguém pode viver por nós a dificuldade e o esforço de uma promoção colectiva. Essa promoção passa por uma conversão cultural de fundo, susceptível de nos dotar de um olhar crítico sobre o que somos e o que fazemos, sem por isso destruir a confiança nas nossas naturais capacidades de criação autonomizada, dialogante, como tem sido sempre, mas não sob a forma de uma adaptação mimética, oportunista, das criações alheias e da sua vigência de luxo entre nós, enquanto os problemas de base do país não receberem um começo de solução;

O grande paradoxo do ajustamento ao nosso destino como destino colectivamente vivido, enfrentado e domado – na medida em que o destino se doma – será esse mesmo de uma revolução cultural capaz de se apoiar nessa inconsciência sublime onde uma miséria de séculos encontrou forças para não sucumbir, para o transfigurar em consciência activa, em destino em destino assumido sem a destruir;

Na medida do possível, é à totalidade do povo português, consciente e responsabilizado na sua prática a todos os níveis, que compete o autodeterminar-se e não apenas a uma classe tecnocrática burocrática de aleatório saber, mas sobretudo de específica vontade de poderio e gozo de privilégios;

A civilização não é contraditória com a cultura, se o espírito conserva sobre as conquistas técnicas um domínio positivo e as integra numa ordem mais vasta de realidades, sem perder de vista a dignidade hierárquica dos valores humanos.”

EDUARDO LOURENÇO
Eduardo Lourenço de Faria nasceu em S. Pedro de Rio Seco, Almeida, em 1923, e é administrador não-executivo da Fundação Gulbemkian desde Setembro de 2002. Ensaísta e crítico literário, licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas na Universidade de Coimbra (1946), instituição na qual se manteve, como professor assistente de Filosofia, de 1947 a 1953. Em 1954 saiu do país, passando a leccionar Língua e Cultura Portuguesas, como leitor do governo português, em várias universidades: Hamburgo, Heidelberg, Montpellier. Foi depois regente da cadeira de Filosofia na Universidade da Bahia (1958-59). Voltando a França, tornou-se leitor a cargo do governo francês nas universidades de Grenoble (1960-65) e de Nice, tendo-se fixado nesta última, onde se manteve desde 1969, como maître-assistant e professor associado, até à jubilação (1988). Na sua vasta obra, encontramos títulos como Heterodoxia I (Coimbra Ed; 1949), Fernando Pessoa Revisitado: Leitura Estruturante do Drama em Gente (Inova; 1973), Tempo e Poesia (Inova; 1974), O Labirinto da Saudade - Psicanálise Mítica do Destino Português (D. Quixote; 1978), O Espelho Imaginário (Imprensa Nacional; 1981)A Europa Desencantada: para uma Mitologia Europeia (Visão; 1994), O Esplendor do Caos (Gradiva; 1998) ou A Nau de Ícaro, seguido de Imagem e Miragem da lusofonia (Gradiva; 1999). A esta obra, pela importância e qualidade literária que se lhe reconhece, têm sido atribuídos variadíssimos prémios, entre os quais se destacam o Prémio Europeu de Ensaio Charles Veillon (Lausanne; 1988) e o Prémio Camões (1996). Recentemente, o autor recebeu o título de Doutor honoris causa pelas universidades Federal do Rio de Janeiro (1995) e Coimbra (1996) e o Prémio da Latinidade (2003). Foi ainda condecorado, pelo governo português, com as ordens de Santiago e Espada (1981), do Infante D. Henrique (1992) e com a Grã Cruz da Ordem Militar de Santiago da Espada (2003), e, pelo governo francês, com a Medalha de Mérito Cultural (1996) e o grau de Oficial da Legião de Honra. Em 2003 recebeu a Grã-Cruz da Ordem da Torre e Espada.